O tempo fora do tempo – Tales Frey

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Tânia Dinis, Exposição Imaginário Familiar, 2015.

Talvez seja justamente devido ao desenfreado bombardeio das imagens virtuais que a artista visual Tânia Dinis tenha se ocupado nos últimos anos em praticar o inverso, contrapondo relações isoladas com as partilhadas, contestando o atual descarte da experiência ao propor uma vivência pautada no toque sensível, no afeto em completa oposição ao insípido tato do touch screem, no encontro real como resistência à frieza da telepresença. O excesso dos estímulos e das informações diárias que aprisionam os seres humanos aos seus laptops ou aos seus telemóveis tem impulsionado a artista numa série de proposições fundamentadas num enérgico refúgio de um tempo turbulento, fugaz e raso, onde a partilha da memória pessoal ou alheia (fidedigna ou ficcional) são motivações para trocas reais sob manifestações de colossais riquezas afetivas.

Imaginário Familiar – exposição que esteve patente entre os dias 01 e 10 de julho deste ano na Sala Maior do Carmo’81 durante o evento Jardins Efémeros em Viseu – reuniu os trabalhos de vídeo Não são favas, são feijocas, Arco da Velha, lha das Bananeiras, Os teus Olhos, Lote 141802478871, 1970, além da série fotográfica Imaginário Familiar II e da performance Do Imaginário Familiar – Curva Ascendente.

2.pngTânia Dinis, Ilha das bananeiras – imagens de arquivo da Videoteca de Lisboa.

Desde os anos 1990, muitas(os) artistas contemporâneos diligenciam em prol da reminiscência ao evocarem memórias em possibilidades multifacetadas, desenterrando um passado para apresentarem um futuro diversificado, ostentando tempos sobrepostos que podem deslocar a já insensibilizada noção do “agora”. Tânia Dinis – como outras(os) posteriores a essa geração – é incisiva na sua persistente (e até obsessiva) evasão da configuração óbvia de usar o mínimo de tempo na materialização de seus trabalhos. Ela usa o tempo que for necessário, pois todos seus trabalhos exigem grande comprometimento com prazos nada curtos, nada condizentes ao nosso tempo. Películas em Super 8 e fotografias analógicas são provas de que ela busca uma fenda na lógica regulada na tão propagada combinação de palavras “falta de tempo”, que é tão característica do nosso mundo globalizado, pós-moderno, onde a velocidade é ininterrupta e quase sempre aderida sem ser contrariada.

Os questionamentos surgidos a partir da ordem cronológica como a de uma narrativa aristotélica e do espaço-tempo relacionado fielmente à temporalidade proposta pelas novas tecnologias são utilizados por Tânia Dinis de forma completamente subversiva quando essa artista dispõe contingências múltiplas de ordenações através de dispositivos já obsoletos, já considerados retros, já enquadrados numa estética vintage, sendo os suportes e os aparatos de imagem associados ao universo afectivo familiar. O tempo fora do tempo que Dinis suscita desacelera uma doentia corrida sem foco, sem ternura, desprovida de humanidade. Tânia não resgata um tempo que passou, mas sim um tempo que ainda nos pertence e que merece ser apreciado.

Tales Frey

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TALES FREY (Catanduva – SP, Brasil. 1982) vive e trabalha entre o Brasil e Portugal. Crítico de arte, performer, videoartista e encenador, realiza obras amparadas tanto pelas artes visuais como pelas cénicas. Actualmente, integra o programa de pós-doutoramento do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho. Em 2016, concluiu um doutorado em Estudos Teatrais e Performativos pela Universidade de Coimbra, onde desenvolveu a tese-projeto (Practice-led ResearchPerformance e Ritualização: Moda e Religiosidade em Registros Corporais. Fez Mestrado em Estudos Artísticos – Teoria e Crítica da Arte pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e uma especialização em Práticas Artísticas Contemporâneas pela mesma instituição. Sua formação é em Artes Cénicas com habilitação em Direcção Teatral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição onde manteve vínculo para cursar uma graduação em Indumentária na Escola de Belas Artes da UFRJ. Apresentou trabalhos artísticos na Argentina, no Brasil, no Canadá, na China, em Cuba, nos Estados Unidos da América, na Inglaterra, na Islândia na França, na Alemanha, na Malásia, no México, na Polônia, no Peru, em Portugal, na Sérvia, na Suécia e na Tailândia. Alguns de seus trabalhos integram permanentemente acervos como o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), o Instituto Municipal de Arte y Cultura de Puebla no México e a Pinacoteca João Nasser em Catanduva (SP, Brasil).

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