Inspirações -Daniel Canhoto

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A poesia é a “magia” que, tênue, se percebe, mas que não se vê. É a narração do que, concreto, não se pode reproduzir. É contar aquilo que não se conta, nem se pinta, que não é abstrato por natureza, mas o é aos sentidos humanos. É, ainda, a abstração do que nos é abstrato. É a arte que, por sua vez, é resquício da Arte, e Arte não nos é compreensível. A Arte é ciência suprema, que, aos homens, não se revela. Nós a percebemos como se víssemos somente seu vulto efêmero por detrás de um vidro turvo. Como se ouvíssemos o seu grito longínquo e não bem o discerníssemos. Em nossos sentidos ela é como a sensação do vento. A Arte pertence ao divino e nos dopamos de nirvana ao registrar algumas de suas fagulhas. Poesia que chamamos é um simples relato humano duma Arte metafísica que não possuímos nem sequer conhecemos. A palavra poética, meramente escrita, não pode criar um homem, um animal, um vegetal, um objeto… A poesia pode apenas explicar o inexplicável, o sentimento que não, de fato, sentimos. O poeta é apenas homem, o que cria, não pulsa, nem é palpável. A poesia é nada mais que imitação da Arte, da criação. É a semelhança do divino entre os homens.

Às vezes ela é um milagre. Uma garotinha inocente, mirrada, irreverente… Uma santa. Corre livre por aí, se arrisca, se enfia em cada canto! Diz coisas absurdas, mas, gente, ela é só um criança, perdoem-na. O que pode ela fazer? Ela faz perguntas que, mesmo inocentes, nenhum outro se atreveria a dizer e que nem nós mesmos nos fazemos. Ela é livre. Pula os muros das escolas para colher margaridas, e nos encontra, perfumada de flores, nos pede colo. Não resistimos aos seus encantos. Corremos pelas ruas, atrasados, cheios de incumbências, enquanto ela dança em meio aos carros, faz das buzinas uma trilha, e dança. A vemos assim, sempre distante da nossa realidade, mas acabamos, sabe-se lá porquê, nos reconhecendo, nos conhecendo nela.

Não quero ter os pássaros presos em gaiolas. Não quero ter a poesia presa em livros. Presa em poemas. Quero ver os pássaros animando estes céus, para que eu tenha a consciência daquele azul. Eu quero ver a poesia voando por aí, viva, em cores, pousando em estáticas estátuas cinzentas. Quero ver os pássaros pousarem em minha janela, recitarem seus sonetos pela manhã, me trazendo a consciência de que um milagre, um dia novo surgiu. Quero viver o milagre de ter, pousado em minhas mãos, um pássaro. Quero ter um encontro informal, outrossim, sagrado com a poesia. Quero ter a sensação de quase possuí-la-me.

À flor que nasceu no meio do meu caminho árido, dei o nome de poesia. Por ela ser viva em cores, no meio de todo o cinza. Porque se a apanharmos, ela morre. Por ela ter espinhos. Ela é bela. À flor que nasceu na morte cinza da calçada, dei o nome de poesia. Porque ela é luz visível em meio a trevas. Porque ela nasceu no caos, ela nasceu do caos, mas permanece, santa. Ela é um grito brando em nossos ouvidos. Quase um canto, inaudível, distante e indecifrável. Nada nos é, mas muitas coisas nos parece.

Os magos que conheço são crianças inocentes, mulheres castas e homens solitários. Criaturas mágicas são pássaros, flores, borboletas… À magia que conheço chamam de poesia. Poetas parecem alquimistas. Objetos mágicos não conheço e creio que a poesia, na verdade, é viva exclusivamente, mas já ouvi falarem de livros, origamis, espelhos, canetas, penas… Já vi um poema, tão puro, que não fora escrito, mas nem por isso era poema em potencial. Era a luz do Sol que, passando pelo vidro da janela, se convertia em luzes multicoloridas que repousavam numa folha em branco sobre a escrivaninha (literalmente falando). A poesia que eu conheço é a magia inocente, casta (santa) e solitária. Talvez seja um jeito brando de falar sobre a loucura.

Quanto à inspiração, a vejo vinda de coisas simples, nem sempre belas, mas quase sempre transformo tudo em coisas terríveis e escrevo com pesar, pervertendo a leveza que me trouxe as palavras à ponta dos dedos e sujando tudo de más recordações.

Noutras vezes, a inspiração vem de um paradoxo, como uma fixação particular, por me prender em suas ideias. Às vezes é como um labirinto. O que mais me fascina num paradoxo é o fato dele nos trazer o incômodo e, ao mesmo tempo, o jogo de pensar, buscar uma solução, entender o enigma. Por outro lado, a existência do paradoxo em si já é atraente. Si faço isso com palavras, percebo nelas uma natureza lúdica; as palavras podem até não fazer muito sentido, mas causam uma confusão interessante que podemos chamar de arte.

Porém, o que mais me inspira é o abstrato. São ideias abstratas que nos fazem pensar e traduzi-las. Uma ideia abstrata chega ao escritor, que a interpreta de seu modo, ou seja, sempre serão diferentes as palavras de cada escritor sobre uma ideia abstrata; as compreensões e impressões de um texto dessa natureza sempre serão distintas de um leitor a outro. Então tenho um texto infinito.

E precisamos falar da ideia do clichê, o terror de muitos. Ele vem duma “ideia poética” formada sobre um assunto, isto é, uma cansativa repetição de pensamentos, frases ou estratégias de escrita e o vemos em diversas metáforas e comparações. Como exemplo, temos as flores, às quais sempre recorremos quando o assunto é o amor, além de explorarmos a Lua, as estrelas… Não quero insinuar que essas coisas não nos sirvam mais, eu mesmo, por exemplo, uso as flores, mas temente do clichê de compará-las nas metáforas de todos os tempos. Como numa brincadeira de bem-me-quer, as flores, poéticas e lúdicas em sua existência, antes mesmo de um dia se tornarem palavra escrita, já eram poesia nos nossos sentidos.

Gosto de coisas lúdicas. São coisas sobre a qual é fácil de escrever, às vezes basta descrever, pois elas próprias já são poéticas. O lúdico simplesmente existe, não precisa de muitas explicações. Não pede para ser compreendido.

Voltando às coisas terríveis, sempre escrevo sobre a morte. Ela fala sobre o fim. Pode esse ser o fim do sofrimento, o começo dele; o fim de tudo ou o começo… Depende de como você entende a morte, de como a interpreta. Ninguém de fato a entende, pois nós, do lado de cá, nunca a vimos, então falar sobre a morte é falar de algo novo, porém, algo que conhecemos. É um jogo com peças que podem assumir infinitas formas, depende de com nós as arranjamos. A idéia da morte é como um quarto escuro, temos consciência da existência dele, mas queremos saber o que escondem aquelas trevas, entretanto temos medo de adentrar no cômodo penumbroso. É bem aí que a imaginação começa a atuar. O que você imagina, com todos os seus medos e superstições, que habita o interior desse quarto escuro?

Contudo, diante dessas coisas que tenho dito, a inspiração quase sempre me vem do vácuo, do vazio. Um abismo sem fim; uma tela branca, pronta para ser pintada com as cores que eu quiser usar, para pintar a forma que eu quiser pintar e posso ainda pintar uma tela vazia; é como sentimentos únicos, pensamentos que você não pode dividir com ninguém, segredos que não pode contar a ninguém; como a ilusão e a alienação. Posso escrever sobre a alienação. A minha loucura. A loucura é como um mundo totalmente único, diferente de tudo que você conhece. Eu pinto a minha loucura quando ela é tudo o que possuo dentro de uma cela de paredes brancas. E a loucura é como a própria tela branca, tudo pode acontecer ali, qualquer coisa. Vejo a tela em branco, qualquer coisa, qualquer acidente… O vazio, o paradoxo abstrato, a morte ou a vida.

No fim, posso ser cômico, contraditório, confuso, esclarecedor, trágico… O que for, desde que seja algo novo e belo, e belo pode ser o feio visto com novos olhos, novo pode ser o velho, o clichê. Posso ser propositalmente clichê ou (já que tudo que é clichê um dia não o foi) reencontrar seus encantos. E vamos fechar isso com chave de ouro e com clichê, pois, droga, até a palavra “clichê” já virou um clichê.

 

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